A bottarga, iguaria feita com ovas do peixe mais icônico do litoral catarinense, é apreciada ao redor do mundo e se torna conhecida no Brasil graças ao trabalho de empresa de Itajaí – Por Maurício Oliveira.

A bottarga, iguaria feita com ovas do peixe mais icônico do litoral catarinense, é apreciada ao redor do mundo e se torna conhecida no Brasil graças ao trabalho de empresa de Itajaí – Por Maurício Oliveira.

Missão da empresa é tornar a bottarga mais conhecida e apreciada no Brasil – Foto: Divulgação
Se você não é profissional da gastronomia ou não tem interesse especial pela arte da cozinha, é provável que não conheça a palavra italiana bottarga. Trata-se de um preparo especial das ovas de certos tipos de peixe, desidratadas com sal e secas para que tenham o sabor potencializado e permaneçam conservadas por mais tempo. Praticada há muitos séculos, possivelmente desde Antes de Cristo, a técnica é muito conhecida nos países banhados pelo Mar Mediterrâneo, a exemplo da Itália (especialmente nas ilhas da Sicília e da Sardenha), França, Espanha, Turquia e Grécia. Chegou também à Ásia, onde é conhecida como karasumi.

A tainha é um dos peixes prediletos para a preparação da bottarga. Com a escassez da espécie na Europa, o Brasil se tornou um dos principais fornecedores das ovas utilizadas na produção da iguaria – que, versátil, pode ser consumida diretamente em lâminas finas, como aperitivo, ou ralada para dar um toque especial a torradas, brusquetas, massas e risotos.

A indústria catarinense tem se mobilizado para fabricar a bottarga aqui mesmo, agregando valor à tainha pescada no litoral do Estado. “Nossa missão é tornar este produto mais conhecido e apreciado no Brasil”, afirma Sérgio Marcos Arins, 46 anos, sócio da Caviar Brasil, sediada em Itajaí e proprietária da linha Bottarga Gold. A referência ao caviar, produzido das ovas de esturjão, é uma estratégia para facilitar o entendimento do público sobre a bottarga, muitas vezes chamada de “caviar mediterrâneo”.

Escala | Trabalhador da indústria pesqueira de Itajaí desde a adolescência, Arins conheceu um italiano que vinha ao litoral catarinense em busca de ovas de tainha para a fabricação da bottarga, e foi convidado para conhecer in loco o processo de produção. Acabou trabalhando não apenas na Itália, mas também na Espanha e na África, retornando ao Brasil com um vasto conhecimento sobre a preparação da iguaria e com o sonho de viabilizar a produção local.

Ao trocar informações a respeito em Itajaí, surgiu o projeto de sociedade com Cassiano e Bernardo Fuck, pai e filho da família proprietária da empresa Sul Atlântico de Pesca. Eles entraram como investidores, enquanto Arins cuida da produção. “É um trabalho gradual e persistente para ganhar escala e, com isso, viabilizar a redução dos custos. Sabemos que a disseminação da bottarga aqui no Brasil depende de oferecer um preço mais acessível”, descreve Arins.

Ele lembra que, quando a Caviar Brasil iniciou suas atividades, 15 anos atrás, havia apenas alguns fabricantes artesanais em Santa Catarina. A combinação entre a baixa escala e a falta de concorrência elevava o preço a um patamar muito alto. Hoje, a empresa consegue praticar valores bem mais atraentes para os admiradores da iguaria ou para quem simplesmente gostaria de conhecê-la.

O quilo da Bottarga Gold custa R$ 450 (para efeito de comparação, o quilo do caviar chega a custar R$ 30 mil) – lembrando que ambos os produtos são consumidos em pequenas quantidades, de tal forma que 100 gramas proporcionam bom rendimento. A produção da empresa está na casa de 200 quilos por mês, com 70% destinados ao mercado nacional – restaurantes ou pessoas físicas que compram diretamente pelo site ou por telefone –, enquanto os 30% restantes são vendidos especialmente para os Estados Unidos, que têm o hábito de comprar a bottarga já pronta, em vez de optar pela importação das ovas in natura. O plano da Caviar Brasil é aumentar gradualmente a produção de bottarga e, com isso, reduzir a proporção de ovas vendidas in natura para o exterior, correspondentes ainda a 95% do total da produção da empresa, que no ano passado chegou a 62 toneladas.

A receptividade à ova da tainha brasileira é alta por conta de características que a tornam especialmente saborosa em comparação àquelas pescadas em outras partes do mundo, como a Austrália, a Flórida (nos Estados Unidos) e a África. “Na maioria dos lugares as tainhas são capturadas diretamente nas lagoas, onde ocorre a procriação da espécie. Aqui, elas saem da Lagoa dos Patos para o mar, em busca de águas mais quentes para desovar. Nessa ‘corrida’ perdem calorias, ficam menos gordurosas e ganham o sabor do mar, transferido para as ovas”, descreve Arins.

Ele enfatiza que um dos atributos mais importantes da produção da Bottarga Gold é a sustentabilidade. Todas as ovas utilizadas pela empresa vêm de fontes rastreáveis, que seguem as especificações legais, tanto no que diz respeito ao prazo permitido para a pesca quanto a distância da costa. “Só nos relacionamos com embarcações totalmente legalizadas, com licenças em dia e processos confiáveis de conservação dos peixes até a entrega para a gente”, observa o sócio da Caviar Brasil.

Inverno | A divulgação da bottarga catarinense tem contado com o apoio de nomes de destaque da gastronomia nacional, como o chef Alex Atala, que experimentou – e elogiou – o produto durante uma visita ao Estado. Outra frente importante de disseminação do conhecimento sobre a iguaria são profissionais que a produzem artesanalmente, a exemplo de Maria Garcia, chef do restaurante Jardín Del Mar, localizado no Bairro Cacupé, em Florianópolis. “As opções com bottarga não estão no cardápio fixo porque é um produto sazonal. Durante o inverno, época da tainha, nossos clientes certamente terão a oportunidade de experimentar”, diz a chef, que é também professora do curso de gastronomia do SENAC.

Maria aprendeu os segredos da técnica quando trabalhou em um restaurante japonês, há mais de dez anos. Ela gosta de preparar a bottarga defumada e de usá-la em pratos como arroz de polvo e risoto de camarão. Ressalta que o sabor é diferente daquele proporcionado pela ova frita, frequentemente oferecida pelos restaurantes litorâneos durante a temporada de pesca da tainha, entre maio e julho.

“Estamos falando de uma experiência em outro patamar, envolvendo um produto rico em umami”, diz a chef, referindo-se ao quinto gosto básico do paladar (além de salgado, doce, azedo e amargo), caracterizado pelo prolongamento do sabor e o aumento da salivação – ou seja, a célebre sensação de “água na boca”. Além dos prazeres sensoriais, a bottarga proporciona também ganhos para a saúde graças à alta incidência de proteínas e de vitaminas A, B, C e E, além de ômega 3, tipo de gordura importante para diversas funções do organismo.

Outro aspecto curioso sobre a bottarga é estar envolvida em uma série de simbologias e superstições. Na Ásia é vista como símbolo de fecundidade e prosperidade, a ponto de ser dada como presente a recém-casados ou para quem está abrindo um negócio, além de fazer parte do cardápio das ceias de ano-novo.

Fonte: FIESC